#6 tudo que não cabia
O renascimento dos psicodélicos como possíveis aliados no tratamento de distúrbios mentais
“Precisamos aprender como manejar eficientemente as palavras, mas, ao mesmo tempo, devemos preservar e, se necessário, intensificar nossa capacidade de olhar o mundo diretamente, e não através da lente semi-opaca das idéias, que distorce cada fato, diluindo-o no lugar-comum das denominações genéricas ou das abstrações explanatórias.”
Aldous Huxley em “As Portas da Percepção”.
Nas primeiras edições da news, compartilhei com você um pouco da minha jornada nos últimos 4 anos. Toquei em assuntos delicados, profundos, fazendo deste canal, das minhas palavras, da escrita, uma espécie de terapia.
Foi meio que tudo de uma vez, somado com mergulhos profundos nas sessões de análise que tenho feito. Enfim, precisava dar um tempo. Respirar. E, caso você não tenha percebido, dei uma sumida. Aproveitei que estava em férias e fiz uma pausa, inclusive na escrita.
Não que não tenha escrito nada, afinal, acho que pra quem vive disso, abandonar a palavra é meio que impossível. Enfim, já tenho alguns rascunhos pras próximas edições.
Mas, como escrevi lá na primeira edição, não quero transformar a news numa obrigação. Tem que sair quando fluir, quando tiver assunto, esporadicamente, pra surpreender. E funciona assim pra você também, que vai ler quando quiser, quando puder, quando não tiver mais nada de interessante pra fazer, enfim.
Recapitulando, nos últimos capítulos, você, que dedica uma parte preciosa do seu tempo pra me ler (ou decifrar) se jogou comigo de um precipício vertiginoso em águas profundas rumo ao desconhecido. Mas, nessa edição e talvez nas próximas, vou fugir um pouco das minhas paranoias pra abordar assuntos que sou entusiasta e que venho acompanhando de perto há alguns anos.
Apresento, então, o tema de hoje: o renascimento psicodélico.
Se me lembro bem, comecei a me interessar por esse assunto ao ler as obras de autores como Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo), Jack Kerouac (On The Road) e Timothy Leary (A Experiência Psicodélica). Ah, e claro, as (muitas) raves que frequentei no começo da vida adulta e que ainda frequento com nem tanta assiduidade assim. rs Salve @goptun!
Mas o que esses autores têm em comum? A vida e a escrita dedicadas, direta ou indiretamente, às substâncias enteógenas, que alteram a percepção da realidade, expandem a consciência e são batizadas popularmente de psicodélicos.
A longa, sinuosa e conturbada história dessas substâncias é permeada por desinformação, abuso, discriminação e, claro, muita badtrip.
Você, com certeza, já deve ter ouvido falar da famigerada guerra às drogas – no qual as drogas vêm ganhando com larga vantagem, certo?
Pois bem. Vou fazer um resumão dessa história pelo prisma dos psicodélicos, com foco no LSD. Vou escrever sobre como essas substâncias tiveram um boom na década de 60, foram proibidas e, agora, retornam com força, focando, sobretudo, nos tratamentos que envolvem distúrbios psicológicos.
Tudo começou no dia que ganhou o apelido de “Dia da Bicicleta”: 19 de abril de 1943. Nesse dia, o químico alemão Albert Hoffman experimentou pela primeira uma substância que, até então, era desconhecida, e saiu para um rolezinho de bicicleta.
Naquele dia, sem querer, ele descobriu os poderosos efeitos do ácido lisérgico.
Acho que vale contar melhor essa história: Hoffman foi o primeiro cientista a sintetizar, ingerir e entender os efeitos psicodélicos do LSD. E, tamanha ironia do destino, foi tudo por acidente, como sempre costuma acontecer, no caos do acaso.
O químico, na verdade, buscava descobrir um remédio para estimular a circulação. Porém, dias depois de sintetizar uma nova substância, decidiu avaliar o material, ingerindo 250 microgramas (pasmem: hoje, a dose limite é 20 microgramas). Feito isso, ele saiu para para dar uma volta no bairro com sua bike e o resto é história. Rs
Hoffman, que morreu com 102 anos, deixou todo esse passeio de bike registrado num livro chamado “LSD: My Problem Child”.
Além disso, tem até um curta-metragem de animação italiano bem bonito sobre essa viagem: A Bicycle Trip
Anos mais tarde, Hoffman, compreendendo melhor a substância, passou a acreditar que o LSD poderia ser utilizado na psiquiatria, como uma ferramenta para tratar distúrbios mentais.
E, assim, o LSD virou objeto de estudos psiquiátricos e psicoterapêuticos nos anos 60. Porém, a coisa fugiu do controle médico, caindo, literalmente, na boca do povo. Ou melhor, na língua.
Foi aí que a droga passou a ser protagonista do movimento hippie, da contracultura e da geração beatnik.
Lembra do Woodstock e aquela loucura toda e tal, né?
Aqui, vale contar um pouquinho da história de uma figura que desempenhou um papel fundamental nessa bagunça toda. Um cara que ficou conhecido, sobretudo, como “Guru do LSD”: Timothy Leary.
Esse maluco, pra você ter uma ideia, foi demitido de Harvard, foi preso diversas vezes e, pior, já foi declarado como "a pessoa mais perigosa da América" pelo ex-presidente americano Richard Nixon. Tem noção do B.O. que ele arrumou?
Leary era professor de psicologia na Universidade de Harvard, quando no verão de 1960 teve uma brisa daquelas que mudam a vida do sujeito.
Ele estava de férias com uns amigos na cidade histórica de Cuernavacas, no México, quando um desses caras resolveu comprar cogumelos mágicos de uma indígena local.
Leary, que na época tinha 39 anos e, segundo relatos, nem maconha tinha fumado, resolveu experimentar. E, claro, a casa caiu. Ou melhor, decolou.
Tudo mudou depois dessa experiência avassaladora. Dias depois, ele declarou que, naquele momento, descobriu mais sobre o próprio cérebro e sobre psicologia que em 15 anos de pesquisa.
Leary passou a ser um ativista da causa psicodélica. Um dos principais, diga-se de passagem.
O guru começou não apenas a promover o uso de substâncias alucinógenas em terapias psicológicas como também abraçou a missão de disseminar o consumo de LSD e da psilocibina, encontrada nos cogumelos mágicos.
Disseminar é eufemismo. Na real, o cara passou a distribuir droga a rodo pra geral: psilocibina, mescalina e, claro, LSD. Vivia fazendo a boa pra galera e, inclusive, a distribuição envolvia muitos intelectuais e artistas dos EUA e Europa.
Resumindo, a história é essa: o professor ligou o foda-se! Passou a ignorar qualquer limite ético, conduzindo vários experimentos e estimulando o uso das substâncias entre estudantes de Harvard e pessoas em geral.
Outra figura que vale ser citada é o dono de um dos meus livros preferidos (Admirável Mundo Novo): Aldous Huxley.
Huxley, abordou o tema dos psicodélicos em diversas obras, como "As Portas da Percepção" e "Céu e Inferno". Porém, diferentemente de Leary, não fazia nenhum tipo de incentivo direto, com manifestos ou divulgações. Geralmente, ele trazia relatos de suas experiências, quase sempre conturbadas. Era um cosmonauta nato.
Mas, como você sabe ou, sei lá, pode imaginar, essa história toda deu merda!
Houve um aumento absurdo no uso recreativo do LSD: geral pirando o cabeção, indo em festivais, pregando contra o sistema, contra a guerra do Vietnã e, óbvio, muita paranoia e badtrip.
Logo, o governo dos EUA começou a entender o LSD como um perigo à ordem pública e ao status quo. Isso levou a uma reação contra a droga pelas autoridades e, em 1968, os Estados Unidos proibiram o LSD, criminalizando sua posse e uso. A ação foi seguida por uma série de outros países.
A partir daí, foi deflagrada uma verdadeira caça às bruxas, fazendo com que os estudos psiquiátricos com essas substâncias ficassem cada vez mais escassos.
Foi somente nos últimos anos que, apesar da proibição, ocorreu um ressurgimento nos estudos e no interesse nas chamadas terapias psicodélicas. E não só com LSD, mas com MDMA (ecstasy), cogumelos, ayahuasca e por aí vai.
Esses estudos têm se mostrado cada vez mais promissores, principalmente quando relacionados com transtornos de estresse pós-traumático, depressão e ansiedade em pacientes com doenças graves.
Todo esse movimento vem sendo chamado de “Renascimento Psicodélico”.
Bom, minha intenção era te dar um panorama todo dessa história nesta edição, mas como eu tenho essa mania de não saber escrever pouco, vou dar uma pausa por aqui.
Resolvi que vou te contar essa história em dois capítulos, aliás, dois não, três. No terceiro, um spoiler: vou te contar sobre o dia que participei de um ritual xamânico com ayahuasca.
Bora de dicas?
Links, Links, Links
Bom, como essa história é cabulosa e tem muita coisa pra pesquisar, vou deixar alguns materiais aqui (e nas próximas edições), como matérias jornalísticas, vídeos, livros e documentários. Então, se você quer saber mais sobre o assunto, se joga!
Matérias
Dia da bicicleta: a história da criação do LSD e da 1ª viagem com a droga
A história de altos e baixos do LSD
https://www.dw.com/pt-br/a-hist%C3%B3ria-de-altos-e-baixos-do-lsd/a-65305412
O admirável mundo novo psicodélico...
https://www.cartacapital.com.br/reportagens/o-admiravel-mundo-novo-psicodelico
Livros:
“As Portas da Percepção”, Aldous Huxley
“LSD, My Problem Child”, Albert Hoffman
“Como Mudar sua Mente”, Michael Pollan
“Psiconautas”, Marcelo Leite
Série / Documentário (tudo na Netflix, de nada!)
Como Mudar sua Mente
https://www.netflix.com/br/title/80229847
Fungos Fantásticos
https://www.netflix.com/br/title/81183477
Maior Viagem: Uma Aventura Psicodélica
https://www.netflix.com/br/title/80231917
Baseado em Fatos Raciais
https://www.netflix.com/br/title/80213712
🎵 Música
Bom, acho que nesta edição não faz nem sentido te indicar algo que não seja do universo psicodélico, certo?
Então, vou fazer assim, te recomendar um disco clássico e outro mais atual.
Contemporâneo
Se você achou que minha indicação de banda atual ia ser um dos primeiros lançamentos do Tame Impala, errou! Rs
A minha dica é uma banda holandesa chamada YĪN YĪN, é isso aí! Essa galera faz um som que é uma mistura de funk, disco, boogie, música eletrônica e por aí vai.
Tudo com muita influência de países do sudeste asiático como Tailândia, Vietnã, Cambodja e Malásia. É groove, é psicodélico, é uma belezura.
Mete o play no álbum “The Rabbit That Hunts Tigers”, de 2019, e boa viagem!
(PS. Já falei em uma edição anterior sobre uma banda turca chamada Altın Gün e, se você curtiu, vai amar essa também!)
Clássico
Poxa, aqui o bicho pega, hein? Tem muita coisa boa! Se eu fosse pegar a primeira coisa que vem na minha mente, iria de Hendrix, Beatles, Floyd. Mas seria, digamos, clichê demais.
Então, como a minha recomendação modernosa foi uma banda de funk/disco, nada mais justo do que recomendar um clássico que conta como essa história de psychedelic funk começou.
Estou falando de ninguém menos que Funkadelic, uma das bandas mais icônicas da música, junto com Parliament, formando um movimento que ficou conhecido como P-Funk. As duas bandas tinham como líder o gênio George Clinton.
E a minha dica de álbum é “Maggot Brain”, de 1973, terceiro lançamento de estúdio do Funkadelic. Assim, não tem muito o que falar, é algo histórico, é a pura essência e singularidade da música negra exalando dos poros de cada integrante. É mágico.
Ah, a música da que nome ao álbum, a primeira, tem um solo de guitarra que é conhecido como um dos mais hipnotizantes da história da música, enfim, segura da cadeira pra não sair voando, fica o aviso.
🎥 Cinema
Um filme de 1998, com a temática junkie que eu amo, é “Fear and Loathing in Las Vegas” ou “Medo e Delírio”.
Um jornalista e seu advogado psicopata viajam para Las Vegas para uma série de aventuras psicodélicas.
Johnny Depp e Benicio Del Toro estão impagáveis.
🎨 Arte
As obras que você conferiu ao longo da news são de um artista americano que também teve a vida transformada, em 1975, ao experimentar LSD pela primeira vez. Ali, Alex Grey viveu uma espécie de “experiência mística enteógena que transformou seu existencialismo agnóstico a um transcendentalismo radical.”
Gostou de algo que leu aqui? Compartilha, deixa um comentário aí, poxa.
Cuide de sua saúde física e mental!
Até daqui a pouco.
Eu tenho muita vontade de me aventurar nos psicodélicos, pois tenho transtorno de ansiedade. Mas infelizmente tenho casos de doenças mentais mais sérias na família o que me faz ficar com muito medo de ir e não voltar. Ansiosa pelas proximas edições sobe o assunto. Bjks
👏👏👏